Fernanda Oliveira
“Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei que nada me domine.”
Encarnamos para viver uma vida sem manual de instruções, livre e autônoma, cada um tem seu processo com suas escolhas e caminhos, como elucida Léon Denis “O homem é operário do seu próprio destino.” (Denis,2018, p.63) A maior conquista da etapa hominal é a capacidade de raciocinar, estamos em um mundo globalizado repleto de informações, convivendo com inúmeras e diferentes pessoas, possibilidades e consequências.
Não existe uma regra, uma fórmula ou uma resposta pronta e concreta para as diferentes situações que vamos experimentar e vivenciar. Quando escolhemos uma coisa ou caminho abrimos mão de muitas outras possibilidades, afinal viver é ter autonomia para escolher o que nos cabe ou não.
Durante a convivência com outras pessoas o indivíduo pode modificar seu comportamento, tendo como base a reação das outras pessoas que está interagindo, ao longo de nossa existência pertencemos a grupos sociais diferentes como a família, escola, trabalho, cursos, religião e geralmente temos uma relação de pertencimento e reconhecimento.
O tempo todo somos influenciados por determinados modelos e servimos de modelo para diversas pessoas. As pessoas muitas vezes não têm consciência de que seus comportamentos estão sendo alterados enquanto interagem com as outras pessoas. A aprendizagem social é uma ferramenta de adaptação social. Na maioria das vezes o indivíduo não quer admitir que mudou sua maneira de falar, vestir e agir para se parecerem com as pessoas que admira.
Os hábitos humanos são aprendidos e adotados nessa socialização e nesse contexto de trocas e interação surgem construções sociais e crenças que são perpetuadas e naturalizadas na sociedade.
Padrão é uma norma determinada e aprovada consensualmente pela maioria, ou por uma autoridade, que é usada como base para estabelecer uma comparação. É aquilo que serve para ser imitado como modelo; protótipo.
O mundo não é permanente, no presente que construímos nosso futuro. Não existe um único caminho, evoluir não é repetir e reproduzir o passado. Nenhum padrão pode ser definitivo e satisfazer a nossa razão e consciência em todos os momentos, já fizemos parte de gerações extintas e havemos de pertencer às gerações futuras.
Com a globalização estamos todos conectados e essa interação acaba produzindo uma uniformização de ideias e comportamentos. Uma das consequências dessa comunicação que acontece nas redes sociais é a falta de autenticidade e autonomia, o indivíduo vai perdendo sua identidade para pertencer e agradar o “público”. Percebemos o crescimento de um personagem, um descompasso com o que se é de verdade e a substituição do seu verdadeiro eu para algo que agrade aos outros; distanciando de quem se é e de quem se pode ser.
Observando as redes sociais percebemos claramente uma maioria que está buscando influenciar e ser conhecido, a oferta de “coachs”, de fórmulas mágicas para todos os problemas, os 5 passos e as 10 atitudes para se obter sucesso “como se sucesso fosse algo objetivo e igual para todos”; fora questões existenciais, espirituais e pessoais respondidas de forma genérica e generalizada analisadas por pessoas sem experiência e conhecimento; esquecendo completamente que cada indivíduo é único.
As pessoas acreditam serem autoridade em assuntos que não possuem conhecimento profissional e distribuem diagnósticos e soluções que estão pautadas em achismo, repetição de crenças e dogmas normalizados pela sociedade.
E é dancinha, musiquinha, textinho, respostinha pronta, brincadeirinha - tudo de forma similar que acaba distanciando o ser humano de sua essência e de sua autenticidade. Todo mundo está escutando as mesmas músicas, com os mesmos enredos, lendo os mais vendidos e assistindo os mais visto - e fica tudo igual…normal.
Em um mundo tão diversificado é necessário ter a capacidade auto reflexiva, buscar repensar valores e agir de forma ética para transformar a realidade estabelecida por construções sociais.
O autoconhecimento é a forma de estar no mundo com lucidez e discernimento que nem tudo me pertence, sacia a minha essência, enriquece e perpetua os meus valores. A questão 919 de O Livro dos Espíritos (Kardec,1994, pg. 423) esclarece de forma direta e precisa que o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida é conhecendo a si mesmo, interrogando a sua consciência e compreendendo que o conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. “Quando um Espírito encarna, é atraído para um meio conforme as suas tendências, ao seu caráter e grau de evolução.” (Denis, 2021, p.160). Quando buscamos repensar e ressignificar temas e termos vislumbramos a real noção da nossa história e não somos atraídos por padrões comportamentais engessados e repetitivos, dessa forma potencializamos o que temos de melhor e diferenciadamente deixamos de ser mais do mesmo.
É urgente repensar valores morais tradicionais que estão postos como certezas absolutas no meio social, muitos comportamentos tóxicos são vistos e aceitos como normais; não somos todos iguais e não temos as mesmas possibilidades e oportunidades. É preciso ter noção dos diferentes contextos sociais, emocionais e espirituais e da pluralidade das personalidades.
O Espiritismo orienta um caminho lúcido, longe do fanatismo, do místico e oculto, solicita mudança de mentalidade, caridade desinteressada, autonomia e ética, levando em consideração em primeiro lugar o bem coletivo. Entende que todos os seres são capazes de aperfeiçoamento e de aprenderem e divulgarem o bem. Ensina que a evolução é gradativa e que a vida na Terra é uma oportunidade no progresso pessoal e é consequência natural das escolhas próprias segundo as leis naturais que regem o Universo. A disciplina e a educação são os meios viáveis para alcançarmos essa meta em um planeta que está em constante mutação. Não existe hierarquia espírita, os médiuns necessitam se despir da santidade, ninguém é proprietário da verdade, espiritismo é uma doutrina livre, não é sagrada e sim o resultado de uma pesquisa que pode ser ajustada e modificada conforme o avanço da ciência e das ideias no tempo, abrange todos os ramos do conhecimento, onde nada é definitivo ou absoluto. Uma doutrina transmitida pelos espíritos superiores para Kardec com o objetivo de aprimorar o indivíduo e o mundo; onde é necessário o estudo das obras básicas e sem adulterações; onde a individualidade é respeitada e não existe uma regra para todos, onde cada experiência molda o indivíduo de forma diferente. Privilegia a transformação moral e intelectual, onde sempre existe a possibilidade de mudar a rota e escolher novos caminhos.
Vamos caminhar com lucidez buscando ser um humano fraterno, verdadeiro com diferentes saberes, partilhando amor e buscando maneiras éticas e autênticas de divulgar e aprender a doutrina espírita.
Referências:
Dicionário Online de Português. Significado de padrão. Disponível em: https://www.dicio.com.br/. Acesso em: 24 de setembro de 2022.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 74º edição. 1994.Editora FEB: Brasília- DF.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 11º edição. 2018.Editora Boa Nova. Catanduva- SP.
Denis, Léon. O problema do ser, do destino e da dor. 14º edição – 2021 - Editora FEB: Brasília-DF.
Denis, Léon. Um olhar sobre o tempo presente. 1º edição – 2018 - Editora Leon Denis. Rio de Janeiro- RJ.
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