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Jesus na santíssima trindade sob a ótica do Espiritismo


Por: Marcelo Pereira


A vinda de Jesus à terra é um sinal distintivo na história da humanidade, e a Sua presença entre nós dignifica-nos como filhos de Deus, na medida em que se nos fora permitido partilhar de Sua augusta companhia e de continuar a sorver suavemente às dulcíssimas lições que se nos fora oferecida pelas suas imaculadas mãos e superior inteligência e moralidade.


Jesus é a presença do amor divino entre nós, e é esse amor se que fizera distribuir-se entre nós por esta veneranda entidade, seja em seu glorioso exemplo de fé, esperança e caridade, seja nos imorredouros ensinamentos que se fizera ecoar nos evangelhos de seus apóstolos, e em diferentes outros documentos de relevante valor histórico, religioso e filosófico.


Mas quem seria Jesus? Jesus seria Deus?


Para a tradição católico-cristã, Jesus é Deus, em uma composição consubstanciada da unidade em três: a Santíssima Trindade, constituída como uma tríade em uma só essência, substância e natureza, sendo esse predicativo o fundamento sobre o qual se constrói a fé Cristã, é o mistério central da vida Cristã.


A Trindade Santa é una, como uma trindade consubstanciada, em que Deus se faz perceptível em três pessoas distintas, na qual Deus é Um, uma natureza divina, em três pessoas divinas distintas, não separadas: Deus-Pai (o Criador), Deus-Filho (Jesus Cristo) e Deus-Espírito Santo - “Aquele que é o Pai, não é o Filho, e aquele que é o Filho não é o Pai, nem o Espírito Santo é aquele que é o Pai ou o Filho (XI Conc. de Toledo em 665: Denzinger, 530). São distintos entre si por suas relações de origem” (Catecismo da Igreja Católica, 254).”


A origem da unicidade de Deus remonta aos profetas Israelitas - em Dt 6, 4-5 - “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças” - e em Is 45, 22-24 - "Voltem-se para mim e sejam salvos, todos vocês, confins da terra; pois eu sou Deus, e não há nenhum outro. Por mim mesmo eu jurei, a minha boca pronunciou com toda integridade uma palavra que não será revogada: Diante de mim todo joelho se dobrará; junto a mim toda língua jurará. Dirão a meu respeito: ‘Somente no Senhor estão a justiça e a força’. Todos os que o odeiam virão a ele e serão envergonhados”., e a fé cristã se apropria dessa "revelação", no que não compreende como inconciliável com a ideia da Santíssima Trindade.


Historicamente atribui-se a recepção dessa perspectiva ao concílio de Nicéia, no ano de 325, e ao II Concílio de Constantinopla, no ano de 533, e o edifício sobre o qual sustentam esse mistério de fé fundam-se em passagens dos evangelhos, como em Mt 28, 19 - “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” e no de João 14, 26 - “Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos- á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito”, e nos documentos paulinos, como em Coríntios 13,14 - “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vocês”


Nas Cartas de Paulo encontrar-se-iam os fundamentos seguros para a consolidação dessa narrativa de Jesus Deus, fonte onde os concílios beberam, em uma interpretação literal, para consolidarem essa visão de Jesus, afirmara Severino Celestino da Silva, como “um ser celestial divino preexistente, criado como primogênito de toda a criação divina. Existia sob a forma de Deus e era igual a Deus”, (2017, p.p 45-49).


E assim o afirmaria em Colossenses 1:15 e 16 - "Ele é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades, tudo foi criado por ele e para ele. E, em Filipenses 2:6 - "Ele estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como um deus, mas se despojou, tomando a forma de escravo. Tornando-se semelhante aos homens e reconhecido em seu aspecto como um homem abaixou-se, tornando-se obediente até a morte, à morte sobre uma cruz”, ponderando Severino Celestino da Silva que “Paulo foi ainda mais longe quando forçou os conceitos das passagens bíblicas dos profetas referentes ao "Senhor Deus" de Israel, como se fossem conceitos referentes a Jesus.” (2017, p.p 45-49).


Em ponderação sobre o tema, Léon Denis pondera a existência de razões eminentemente humanas a sustentar essa estratégia de acolhimento desse pressuposto da Santíssima Trindade pela Igreja, em motivações que desviavam do caminho emancipador do cristianismo primitivo.


“Essa concepção trinitária, tão obscura, tão incompreensível, oferecia, entretanto, grande vantagem as pretensões da Igreja. Permitia-lhe fazer de Jesus-Cristo um Deus. Conferia ao poderoso Espírito, a que ela chama seu fundador, um prestígio, uma autoridade, cujo esplendor sobre ela recaía e assegurava o seu poder. Nisso está o segredo da sua adoção pelo concílio de Niceia. As discussões e perturbações que suscitou essa questão, agitaram os espíritos durante três séculos e só vieram a cessar com a proscrição dos bispos arianos, ordenados pelo imperador Constâncio, e o banimento do papa Libero que recusava sancionar a decisão do Concílio. A divindade de Jesus, rejeitada por três concílios, o mais importante dos quais foi o de Antioquia (269), foi, em 325, proclamada pelo de Niceia, nestes termos: ‘A Igreja de Deus, católica e apostólica, anatematiza os que dizem que houve um tempo em que o Filho não existia, ou que não existia antes de haver sido gerado..” (León Denis, 2014, p. 67)


Desse modo, a biografia de Jesus nos é fornecida pelos evangelhos, mas foram os concílios que criaram a ideia da divindade de Jesus e a Trindade Santíssima, no que diverge o espiritismo, por reconhecer ser Deus indivisível, e que, portanto, a ideia de que Jesus seria a encarnação de Deus não sobreviveria à lógica.


E tal perspectiva é extraída igualmente dos evangelhos, em riquíssimas passagens, na qual Jesus reconhecer-se-ia como “filho unigênito, que está no seio do Pai” - João 1:18, ou quando afirma “Ninguém é bom, senão só Deus” - Marcos 10:17 e 18; ou quando clama aos céus "Meu pai, se é possível, afasta de mim este cálice. Contudo, não seja feito como eu quero, e sim como tu queres.” - Mateus 26:39; e em "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito" - Lucas 23:46, assim como em Mateus 12:32 - "E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro.", ou em Atos dos Apóstolos 7:55-56 - Mas ele, estando cheio do Espírito Santo, fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus, e Jesus, que estava à direita de Deus; E disse: Eis que vejo os céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus; em Marcos 9:37 - “Quem quer que receba em meu nome a uma criancinha como esta, a mim me recebe; e aquele que me recebe não me recebe a mim, mas recebe aquele que me enviou”; em Lucas 10:16 - Aquele que vos ouve, a mim me ouve; aquele que vos despreza, a mim me despreza; e aquele que me despreza, despreza aquele que me enviou”.


Essa separação de identidades é vista novamente em João 16:28 -"Vim do Pai e entrei no mundo; todavia, deixo o mundo e vou para o Pai"; em João 14:28 - "O Pai é maior do que eu"; em João, 14:18-20"Não vos deixarei órfãos; voltarei para vós. Ainda um pouco, e o mundo não me verá mais, mas vós me vereis; porque eu vivo, e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós"; em João 8:42 - Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis, porque foi de Deus que saí e foi de sua parte que vim; pois, não vim de mim mesmo, foi Ele que me enviou”; em João 7:33 - “Ainda estou convosco por um pouco de tempo e vou em seguida para aquele que me enviou“; em João 5: 37 e 38 - “E o Pai que me enviou há dado, Ele próprio, testemunho de mim. Nunca jamais lhe ouvistes a voz, nem vistes a face. — E a sua palavra não permanecerá em vós porque não credes no que Ele enviou”; em João 8:16 - “Quando Eu julgasse, o meu julgamento seria digno de fé, porquanto não estou só; meu Pai que me enviou está comigo “. Quando em João, 10:30 - "O Pai e eu somos um”, não se está a tratar de uma unidade de existência, mas em uma comunhão de propósitos.


Por essas, e tantas outras passagens, visualiza-se o registro dessa cultura da individualidade essencial de Jesus e sua separação existencial de Deus, em uma consideração de inferioridade e subordinação irrestrita, jamais pondo-se como de realidade imanente à Deus. Em verdade, Jesus não dizia nada de si, e nem aquilo que ensinara apresentara como de sua autoria, pondo-se a vivenciar na pedagogia do exemplo senão aquilo que Deus lhe permitira executar, posto que a verdade que ensinara é ela de Deus.

As suas palavras registradas nos evangelhos são diretas em seus objetivos, na procura de fugir de qualquer ambiguidade em suas observações sobre esse tema, na clarividência solar de que jamais vira-se como Deus, mas como seu enviado fiel e subordinado servo. Uma alma edulcorada com os selos da majestade divina, tamanha a sua dignidade e maturidade espiritual.


Ora, em sendo Jesus o filho unigênito, como poderia ser ele o próprio pai?


Para o espiritismo Deus é o supremo criador de tudo e de todos e Jesus é um Espírito superior, um dos filhos de Deus, mas que já ostenta inestimável superioridade evolutiva, em face de se fazer repousar em si um progressivo amadurecimento moral, e o Espírito Santo seria como uma emanação, uma energia vital, uma força magnética, uma providência ou o amor infindo de Deus.


Na incapacidade do Homem compreender a natureza íntima de Deus, por estar obscurecido pela matéria, posto que apenas na proximidade à perfeição terá condições de vê-Lo e compreendê-Lo - (O Livro dos Espíritos, Questões 10-11), Deus oferece-nos Jesus, como “o modelo da perfeição moral a que a Humanidade pode pretender sobre a Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a mais pura expressão da sua da Lei, porque ele estava animado de espírito divino e foi o ser mais puro que apareceu sobre a Terra. (...)” (O Livro dos Espíritos, Questão 625).


A verdade, ensinam-nos os Espíritos, é homeopaticamente distribuída, na medida em que “a verdade é como a luz: é preciso nos habituar a ela, pouco a pouco, de outra forma ela nos deslumbra.” (O Livro dos Espíritos, Questão 628), mas cada gota é a própria verdade que se pode ver compartilhada à proporção do amadurecimento humano. E nessa perspectiva Jesus trouxera uma visão revolucionária de Deus, descrevendo-O como o Pai da Humanidade, imanente à natureza e à consciência humana. Um Pai de amor e misericórdia. Justo e bondoso, em suas potencialidades. Jesus vem-nos abrir os portais desse vínculo em comunhão com Deus, afugentando a narrativa de uma presença divina distante e solenizada, punitiva e castradora.


Jesus é um mensageiro de louváveis atributos morais. Jesus desce à terra não para se igualar aos homens imergidos na carne, mas para amorosamente nos convidar ao exercício emancipador, para elevarmo-nos espiritualmente, e segui-Lo nessa peregrina caminhada em direção à luz, pela adoção dessa pujante e reveladora reforma moral íntima... É Jesus um mestre divino, com a nobilíssima missão de ensinar o amor aos homens, seus irmãos na obra da criação de Deus.


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Referências:

Do Catecismo da Igreja Católica, edição revisada. Edições Loyola, São Paulo, 1999.


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