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O livre-arbítrio e as escolhas entre o bem e o mal

Por: Alan Lira

 

O entendimento do livre-arbítrio desempenha um papel relevante nas discussões filosóficas, psicanalíticas, religiosas e sociais. Apesar das vertentes que defendem a teoria filosófica do determinismo, e neurocientistas como Robert Sapolsky que negam a existência do livre-arbítrio, iremos nos deter em observar, de maneira sintética, o que a psicanálise, a religião e o Espiritismo, principalmente, elucidam sobre essa nossa liberdade de escolhas.

Considerando o livre-arbítrio sob os aspectos da Psicanálise ao utilizar como referência a Terapia Cognitivo-Comportamental, que promove e ensina as pessoas a desenvolverem a habilidade de determinar conscientemente seus comportamentos, Zugman (2024) define o livre-arbítrio como “a capacidade do ser humano de tomar decisões conscientes e autônomas, independentemente de influências externas ou causas internas preestabelecidas”.

Onesko (2018), por sua vez, apresenta a perspectiva do pensamento de Santo Agostinho, o qual pondera que o livre-arbítrio é um dom de Deus, conferido ao homem, permitindo-o agir livremente segundo a sua vontade e que as escolhas, sejam para o bem ou para o mal, seriam de responsabilidade do próprio homem, de tal forma que as más ações não seriam responsabilidade de Deus, pois a partir do Criador não poderia surgir outra coisa na Natureza que não o bem.

No livro Obras Póstumas, o qual apresenta uma coletânea de escritos da autoria de Allan Kardec, o livre-arbítrio é entendido como “a liberdade de fazer ou não fazer, de seguir este ou aquele caminho para seu adiantamento, o que é um dos atributos essenciais do Espírito”.

Entretanto, iniciar o estudo do livre-arbítrio na vertente do Espiritismo requer, ao meu ponto de vista, considerar dois pontos importantes: a nossa criação e o motivo de nossas reencarnações.

Em O Livro dos Espíritos, na resposta da questão 115, é visto que Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, sem consciência do bem e do mal, com o objetivo de alcançar a perfeição, não de ser perfeito, pois somente o nosso Criador o seria, mas de, progressivamente, irmos rumo à perfeição (KARDEC, 2022, p. 83).

Ainda em O Livro dos Espíritos, na questão 171, “Todos os espíritos tendem para a perfeição e Deus lhes faculta os meios de alcançá-la, proporcionando-lhes as provações da vida corporal” (KARDEC, 2022, p. 103) para que haja um melhoramento progressivo da Humanidade. Percebemos que o objetivo não é uma evolução individual, alcançar a perfeição e nos vangloriarmos com isso.  Vamos progredindo incessantemente, mas há um direcionamento para um olhar coletivo, em que a nossa evolução e nosso progresso seja valioso para a Humanidade.

Na medida que vamos nos distanciando do nosso ponto de partida da criação, tal como uma criança, vamos nos desenvolvendo intelectual e moralmente, nos afastamos da ignorância das ideias e tomando conhecimento das ações boas e más, ajudando a desenvolver o nosso livre-arbítrio. Enquanto crianças, fazemos escolhas relativas às necessidades da sua idade, mudando de acordo com a maturidade e o desenvolvimento de suas faculdades (KARDEC, 2022, questão 844, p. 302).

Graças à Justiça Divina, temos a oportunidade de reparar nossas falhas, nossas faltas, os males que causamos, sendo permitidas sucessivas reencarnações. Antes da nova existência corporal, os Espíritos escolhem as provas a que irão se submeter (KARDEC, 2022, questão 258, p. 139), ou a depender do estágio evolutivo do Espírito, Deus traça o caminho a que devemos seguir, tal qual uma criancinha aprendiz, mas de acordo com o desenvolvimento do livre-arbítrio, somos capazes de nos submeter às provações que achamos necessárias (KARDEC, 2022, questão 262, p. 140).

Sabemos que somos criados simples e ignorantes e que em nosso estado errante, antes de começar a nova vida corporal, já somos capazes de escolher as provações as quais precisamos passar. Sem essa liberdade de escolha, esse livre-arbítrio, essa liberdade de pensar e agir nos reduziríamos a condições de meras máquinas (KARDEC, 2022, questão 258, p. 139 e questão 843, p. 302).

O Evangelho Segundo o Espiritismo nos aponta que o livre-arbítrio nos é dado para que possamos distinguir entre o bem e o mal, fazer nossas escolhas e nos aproximarmos de Deus de acordo com nossas elevações morais. Esse progresso pode ser lento, durando anos e séculos, tal como contemplamos no livro O Céu e o Inferno, mas sem termos essa responsabilidade de escolhas, haveria a fatalidade (KARDEC, 2023, p. 201).

A compreensão entre o bem e o mal, e consequentemente nosso avanço espiritual, necessita de que tenhamos uma inclinação moral em nossas vidas. Não somos fatalmente direcionados ao mal. As nossas falhas não estão predestinadas a acontecerem. Podemos até escolher provações em que circunstâncias possam surgir e nos direcionar para escolhas maldosas, mas somos nós que temos o poder de decidir nossos atos.

Além do estado espiritual, em nosso estado material, somos igualmente responsáveis por nossos atos. Não estamos isentos de, no estado de encarnados, degredar nossos comportamentos à frente da verdadeira moral e das nossas missões previamente selecionadas no Plano Espiritual.

Temos a autonomia de fazer nossas escolhas, sem proibições. Entretanto, tal como diz Djalma Santos (2015), “o livre-arbítrio não é a capacidade de escolher, mas sim a liberdade de escolher”. A liberdade de escolha não implica que a fazemos da melhor forma. Podemos acreditar que, em determinadas situações as nossas predileções não têm qualquer influência sobre os acontecimentos que as permeiam. Espíritos que enveredam na prática do mal utilizam essa liberdade, tendo consciência ou não das ações de sua maldade. À medida que as consequências de nossas ações vão se apresentando, aparece a oportunidade de avaliação de nossa conduta de acordo com as nossas escolhas. Ao semearmos o bem, haveremos de receber os méritos de nossas bondades, e nas escolhas de ações onde o mal seja o princípio, haveremos de provar as consequências em nossas reencarnações posteriores, sem recompensa nenhuma pois responderemos sempre por nossas práticas e pelo mal causado.

Entretanto Deus, nosso Criador, não nos desampara. Se agimos de maneira em que o mal seja o agente principal de nossos comportamentos, o fazemos por livre-arbítrio. As nossas escolhas perpassam por nossos pensamentos. Se somos capazes de escolher entre o bem e o mal, somos capazes de avaliar nossas escolhas. Léon Denis anuncia que “nada há de fatal e, qualquer que seja o peso das responsabilidades em que se tenha incorrido, pode-se sempre atenuar, modificar a sorte com obras de dedicação, de bondade, de caridade, por um longo sacrifício ao dever”, bastaria um exercício de consciência, uma sensação de remorso para nos conduzir a caminhos que beneficiem nossa evolução e a relação humana.

Tendo o conhecimento dos erros e não caminhar para o arrependimento, chegaremos mais lentamente para o objetivo da criação, que é chegar à perfeição.

Apesar de não fazermos nesse momento uma imersão profunda, é importante mencionar Léon Denis ao apresentar causas secretas que atuam sobre nós influenciando as nossas ações tais como a intuição, impulsos partidos da nossa consciência, influências de nossos Guias Invisíveis, intervenções de uma inteligência, mas ponderando que somos responsáveis por aceitar ou rejeitar as influências exercidas sobre nós. Inclusive o próprio meio social tem a capacidade de intervir no tipo de escolhas que fazemos, dependendo inclusive do espaço que ocupamos na sociedade.

Além das causas que podem influenciar os Espíritos, podemos apontar outras duas situações que limitam o livre-arbítrio no homem, a aberração das faculdades mentais e a ação de obsessores, quando se dá o caso de subjugação e em possessão. No primeiro caso, quando há perturbação da inteligência, que por muitas vezes é fruto do planejamento do próprio Espírito devido a alguma falta ocorrida em outra existência, a matéria age sobre a liberdade e a vontade do homem encarnado. No segundo caso, é preciso o fortalecimento da alma para que trabalhemos por nossa própria melhoria, livrando-se dos obsessores.

Cabe a cada um de nós realizar uma autoavaliação e observar a forma que as nossas escolhas incidem e repercutem, entender que as limitações em nossas escolhas podem ser superadas, quais são causas e efeitos, quais os benefícios e malefícios determinarão o nosso avanço em busca da perfeição, moldando a nossa inclinação moral e nossa evolução espiritual.

 

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Referências:

1- DENIS, Léon. O Problema da Dor: 3ª parte. Tradução de Renata Barboza da Silva. São Paulo: Petit, 2000.

2- KARDEC, Allan. Obras póstumas. Tradução de Guillon Ribeiro. 41. Ed. Brasília: FEB, 2019.

3- KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno: a Justiça Divina segundo o Espiritismo. Tradução Maria Ângela Baraldi. 2 ed. São Paulo: Mundo Maior Editora, 2013.

4- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita. 2023.

5- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita. 2022.

6- ONESKO, Ana Lúcia Fabri. “O livre-arbítrio” de Santo Agostinho: “A causa do pecado – o abuso da vontade livre” em sala de aula. 2018. Monografia (Especialização em Ensino de Filosofia) – Universidade Federal do Paraná, Prudentópolis, 2018.

7- SANTOS, Djalma. Escolhas erradas são rios, que deságuam nas dores, nos sofrimentos e nas aflições.  Correio Espírita, Niterói, vol.1, nº 123, p. 16, setembro, 2015.

8- ZUGMAN, Saulo. Livre-arbítrio: escolhas conscientes ou controladas. IPTC.net, 2024. Disponível em Terapia Cognitivo-Comportamental: A Caçula das Escolas de Psicoterapia. Acesso em 10 dez. 2024.

 

 

 

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